Existe um mito sobre os idiomas. Tal mito diz respeito ao fato de que crianças são excepcionalmente boas no aprendizado de idiomas e que essa capacidade se perde ao crescermos.
Temos bons motivos para acreditar nisso. Muitos de nós tiveram essa experiência. Escolhemos um idioma na escola ou universidade, estudamos muito, por três, quatro, cinco anos, então viajamos para a França e conhecemos uma criança francesa de cinco anos que fala francês
bem melhor do que nós.
Isso não é justo, digo, nos esforçamos tanto e ela nunca trabalhou um dia na vida, e ainda assim ela está corrigindo nossa gramática.
E você está certo.
Não é justo.
Não é justo porque você está se comparando a uma criança que foi exposta a 15 mil horas de francês, e você, a 100 horas, talvez 200, talvez 50.
Depende de quanto tempo suas aulas eram realmente em francês, em vez de falarem sobre francês em português.
Quando comparamos de forma justa: uma criança de cinco anos vai para a Espanha e recebe 500 horas de exposição e um adulto é contratado na Espanha e recebe 500 horas de exposição, verificamos que os adultos sempre superam as crianças.
Somos melhores aprendendo idiomas do que as crianças.
Somos mais espertos que elas.
Aprendemos como aprender.
É uma das vantagens de crescer.
Isso não significa que não há vantagens em ser criança.
Existem três. No curto período entre o 6º e o 12º mês, crianças escutam sons em novos idiomas de uma forma que logo se perde. É uma vantagem significativa.
Segunda vantagem: crianças não têm medo. Elas entram em qualquer conversa, sabendo as palavras ou não, enquanto nós ficamos com receio e nos seguramos. Uma vantagem imensa. Mas essas vantagens não pesam mais que nossa capacidade superior de aprendizagem.
A terceira vantagem de ser uma criança é a vantagem do tempo. Não podemos passar 15 mil horas aprendendo francês. Para ter sucesso, precisamos de algo melhor do que o método das crianças.
Para falar sobre isso, eu gostaria de trazer minhas próprias experiências.
Comecei minha jornada no aprendizado de idiomas com o hebraico, na educação infantil e no fundamental I. Estudei por sete anos e, no fim desses sete anos de estudo, eu podia ler em hebraico… o alfabeto.
Tentei novamente. No fundamental II e no ensino médio tive sorte. Fui para uma escola que oferecia russo, com professores muito bons, então tive russo por cinco anos e meio.
Estudei muito, fui bem nos testes, fiz todo o dever de casa. E, no fim destes cinco anos e meio, eu podia ler o alfabeto russo. Talvez tenha aprendido 40 palavras.
Cheguei à conclusão que essa coisa de idiomas não era pra mim. Então, tomei uma decisão ruim. Sempre fui um cientista nerd. Amava ciência e engenharia. Eu queria ser engenheiro nuclear especializado em física dos plasmas, para fazer reatores de fusão.
Meu sonho de criança.
Mas eu tinha um hobby, que era cantar.
Eu cantava musicais e ópera.
Como ia tentar engenharia na universidade, tentei uma que tivesse conservatório musical e pensei: “Seria estranho estudar ópera e engenharia mecânica? Seria exótico?”
Então fiz isso.
Uma das consequências disso foi que precisei fazer cursos de idiomas.
No curso de ópera, precisei de alemão, francês e italiano.
Então um amigo francês me disse: “Você pode fazer créditos de dois semestres em um verão nessa escola em Vermont”.
Eu pensei: “Boa ideia”.
Me matriculei nesse programa.
Nesse programa, você assina um contrato no primeiro dia.
Nele diz que, se eu falasse uma palavra que não fosse em alemão, se escrevesse ou lesse qualquer coisa, escutasse mensagem de voz que não fosse em alemão, eu seria expulso da escola sem reembolso.
Eu pensei: “Acho que vai ser divertido”.
Eu assinei o contrato e me dei conta que, na verdade, eu não falava nada de alemão, então eu parei de falar.
Alguém veio e me disse: (Alemão) “Hallo, ich heiße Joshua. Wie heißt du?” Eu disse: “Hã?”
Ele disse: (Alemão) “Hallo, ich heiße Joshua. Wie heißt du?”
Eu disse: (Alemão) “Ich heiße Gabriel?”
E eu aprendi alemão desse jeito.
Sete semanas depois eu podia manter uma conversa consistente no idioma, e me tornei viciado na sensação de pensar de forma totalmente diferente.
Retornei no verão seguinte com o objetivo de alcançar a fluência no alemão.
Em 2007, me mudei para Viena, na Áustria, buscando um diploma em ópera e canto.
Em 2008, fui para Perugia, Itália, para estudar italiano.
E em 2010, colei em um teste de francês.
E aí veio todo o resto.
Vejam, eu quis voltar para aquela escola com o contrato em Vermont porque, de uma forma meio tensa e masoquista, na verdade foi meio divertido.
Eles tinham o nível 1 para quem não era familiarizado com o francês que era adequado para o meu nível, mas também tinham o nível 1,5 que era um pouco mais rápido.
Eu pensei: “Esse é meu terceiro idioma, o italiano é próximo ao francês… Provavelmente eu consigo lidar com o 1,5”.
Então me enviaram um teste de nivelamento online, e eu colei tanto quanto pude.
Pensei que entraria no nível 1.5 sem saber francês e colando o máximo que podia.
Então usei a “Gramática Francesa” do About.com para colar nas questões de múltipla escolha. Escrevi uma redação no Google Tradutor e submeti aquela coisa.
Mandei de uma vez.
E não pensei mais no assunto.
Três meses depois, eu recebi um e-mail que dizia: “Parabéns! Você foi muito bem no seu teste de nivelamento. Vamos colocar você no nível intermediário”. “Você tem três meses. Em três meses, vamos colocar você em uma sala com um falante de francês. Vamos conversar por
volta de 15 minutos para ter certeza que não fez nada estúpido, como colar no teste de nivelamento”.
Eu entrei em pânico.
Quando entro em pânico, vou para a internet porque, obviamente, alguém por lá tem uma resposta para tudo, e até que encontrei boas respostas.
Há um sistema chamado “sistema de repetições espaçadas”.
São basicamente cartões de memorização.
Sabem as cartas de pergunta e resposta que usavam na escola?
Trata-se de uma versão digital delas, mas testam você no momento mais oportuno, antes de você esquecer qualquer informação, logo são extremamente eficientes.
As pessoas usam esses programas de repetição espaçada com traduções.
Pela minha experiência com hebraico e russo, eu sabia que não funcionariam comigo, então fiz algo mais.
Para explicar isso, vamos falar de duas palavras. A primeira aprendemos em uma aula. Estamos aprendendo húngaro. Nossa professora vem ao quadro. Ela escreve “fényképez-gép”, a palavra húngara para câmera.
Então escreve mais 39 palavras no quadro e diz: “Este será nosso vocabulário da semana. Haverá um questionário no fim da semana”.
A segunda palavra aprendemos de maneira diferente. Você está em uma aventura com seu melhor amigo. Vocês estão na Escandinávia. Vocês estão em um velho bar. Há seis clientes velhos e grisalhos. Você senta junto ao balcão, e o garçom é definitivamente um viking. Ele tem
uma grande barba vermelha, e está sorrindo para você de um jeito bem perturbador enquanto puxa três copinhos e uma garrafa, e na garrafa você vê escrito: M-O-K-T-O-R, enquanto o garçom diz: “Moktor” e começa a servir algo nesses copinhos.
É um tipo de líquido verde, mas não um belo verde esmeralda. É um líquido verde viscoso meio marrom amarelado. Ele põe a garrafa de lado e puxa um pote branco. Do pote branco, ele tira uma colherada de algo e coloca nos copinhos. Pelo cheiro, percebem claramente que é
peixe podre.
Enquanto ele repete: “Moktor”, todos os clientes agora olham para vocês e dão risada. O garçom saca um fósforo.
Ele o acende, coloca fogo nos três copinhos, e repete: “Moktor”, enquanto os clientes começam a gritar: “Moktor! Moktor! Moktor!”
Seu amigo estúpido pega o copinho dele e grita “Moktor!”, sopra e bebe.
O garçom pega o dele, sopra, grita “Moktor!” e bebe.
Agora todo mundo te encara, gritando: “Moktor! Moktor!”
Você pega seu copo, sopra, grita: “Moktor!” e bebe.
É a pior coisa que já experimentou na vida. Você vai se lembrar da palavra “moktor” para sempre… enquanto já terá se esquecido da palavra húngara para câmera.
Por quê?
Memórias são coisas fascinantes. Elas não estão gravadas em um lugar particular do cérebro. Na verdade, estão gravadas nas conexões entre regiões do cérebro. Quando você viu o copo, viu a garrafa que dizia M-O-K-T-O-R, e o garçom disse “Moktor”, esse som e essa grafia
se interconectaram. Eles formaram uma memória.
Essas conexões conectaram-se a outros sons: o som do moktor sendo derramado naquele copinho, o som de todo mundo no bar gritando “Moktor! Moktor!”
Todos aqueles sons e aquela grafia conectaram-se entre si e também com imagens.
Conectaram-se à imagem dessa garrafa verde.
Conectaram-se ao copinho.
Conectaram-se ao peixe podre.
Conectaram-se ao rosto daquele garçom.
Aquela cara de viking é parte da palavra agora.
Essas, por sua vez, conectam-se a experiências sensoriais, como aquele gosto horroroso na sua boca, o cheiro de queimado, o fedor do peixe, o calor do fogo.
Essas conectem-se a conteúdos emocionais: ao nojo, à raiva do seu amigo, à expectativa.
Conectam-se à sua viagem.
Conectam-se ao que é o álcool, ao que é a Escandinávia, ao que é a amizade, ao que é a aventura.
Todas essas coisas são parte dessa palavra agora, e fazem com que você incorpore essa palavra, enquanto a palavra húngara para câmera… bem… vocês sequer lembram como ela soa.
Essa “não memória” não está associada às câmeras do iPhone, às câmeras SLR, ao som do disparo e ao sentimento que você tem ao ver as fotos do seu passado.
Essas associações existem conectadas a outra palavra.
À palavra “câmera”.
Mas “fényképez-gép” não tem nada disso nesse momento.
Portanto, vocês não conseguem retê-la.
Então, o que podem fazer com isso?
Bem, vamos voltar para quando eu estava na França.
Minha situação era a seguinte: eu estava fazendo dois mestrados, um em canto, outro em ópera, e eu tinha seis dias de aulas por semana.
Meu único tempo livre era uma hora por dia no metrô, domingos e feriados austríacos, que felizmente eram muitos.
Durante esse tempo eu fiz uma coisa: montei e revisei cartões de memorização em um desses sistemas digitais de repetição espaçada.
Mas, em vez de usar traduções nesses cartões, eu comecei com imagens.
Se quisesse aprender “cachorro” em francês, “chien”, eu pesquisaria “chien” no Google imagens, e descobriria que os blogs franceses não escolhiam cachorros como eu esperava.
Os cachorros deles eram menores, mais fofinhos e mais… franceses.
Então, usei esses cachorros para aprender “chien” e construir um vocabulário através daquelas imagens dos blogs franceses.
Quando gravei esse vocabulário, passei para as frases.
Fui aprendendo palavras abstratas e gramática desse jeito, usando frases com lacunas.
Se quisesse aprender a forma pretérita do verbo “ir”, usava uma história.
“Ontem, – lacuna – para a escola”, com uma imagem de uma escola.
Aprendi dessa forma minha gramática abstrata.
Três meses depois, tive aquela entrevista.
Me deparei com uma francesa naquela sala, que começou a conversa com um “Bonjour”.
Então, a primeira coisa que me veio à mente foi: “Bonjour”.
Ela começou a falar comigo em francês, e percebi que eu entendia o que ela estava dizendo, e mais, eu sabia o que responder.
Não foi fluente, foi meio truncado, mas foi a primeira vez na vida que eu tive uma conversa em francês, eu estava falando em francês e pensando em francês; conversamos por 15 minutos, e no final da conversa a professora me disse:
“Sabe, tem algo errado com seu teste de nivelamento. Aqui diz que você deveria estar no intermediário, mas vamos te colocar no nível avançado”.
Então, nas sete semanas seguintes, li 10 livros, escrevi 70 páginas de textos, e, no fim do verão, eu estava totalmente fluente em francês.
Percebi que tinha descoberto algo importante.
Então comecei a escrever sobre o assunto, criar ferramentas digitais com isso e ajustá-las.
Em 2012, aprendi russo.
Tive minha revanche com esse idioma.
Entre 2013 e 2015, aprendi húngaro.
Em 2015, comecei japonês, parei, aprendi espanhol, voltei e comecei japonês novamente, porque japonês é interminável. Em cada uma dessas experiências, eu aprendi muito.
Aprendi formas de aperfeiçoar o sistema para encontrar alavancas eficientes, mas a concepção geral permanece exatamente igual.
Se quiser aprender um idioma de maneira eficiente, precisa dar vida a esse idioma.
Cada palavra precisa se conectar com sons, imagens, aromas, sabores e emoções.
Cada parte da gramática não pode ser um tipo de código abstrato.
Precisa ser algo que ajude a contar sua história.
Se fizer isso, vai perceber que as palavras começam a se incorporar à sua mente, e a gramática vai se incorporar também.
Você vai começar a perceber que não precisa de algum gene do idioma, algum dom divino para aprendê-lo.
É algo que todo mundo possui: tempo e habilidade para aprender.
Muito obrigado.
Tradução de Glauber Leal, revisão por Claudia Sander